As doenças cardiovasculares continuam a ser a primeira causa de morte em Portugal e no mundo. Tão preocupantes quanto a sua mortalidade, são as sequelas resultantes, por exemplo, de um enfarte agudo do miocárdio (EAM).
Uma das consequências de um EAM é a insuficiência cardíaca – a incapacidade do coração receber e/ou bombear sangue de forma eficaz, e cujos principais sintomas são cansaço extremo, dificuldade em respirar, inchaço das pernas ou do abdómen, tonturas e aumento de peso. Mais de 400 mil portugueses sofrem desta doença, estimando-se que este número possa crescer entre 50-70% até 2030. A nível mundial, a insuficiência cardíaca afeta mais de 26 milhões de pessoas.
Apesar dos tratamentos disponíveis ajudarem a minimizar os sintomas e prolongar a vida dos doentes, nenhum é capaz de recuperar a função cardíaca através da regeneração do tecido cardíaco afetado. A terapia com células estaminais tem ganho relevância nas últimas décadas, com alguns estudos a alcançarem resultados positivos em contexto de EAM e insuficiência cardíaca crónica, com diferentes tipos de células e formas de administração.
Novo estudo, maior eficácia
As células estaminais mais utilizadas no âmbito da investigação em doenças cardíacas são as células estaminais mesenquimais, nomeadamente as do tecido do cordão umbilical. Estas obtêm-se de forma simples e totalmente indolor após o parto, e são, posteriormente, multiplicadas em laboratório, para gerar as quantidades adequadas para a sua aplicação clínica.
Um novo estudo, recentemente publicado na revista científica European Journal of Pharmacology, testou a administração de células estaminais mesenquimais do tecido do cordão umbilical em modelo animal de insuficiência cardíaca crónica causada por EAM.
O estudo contemplou a administração de células estaminais através de dois métodos:em suspensão, num grupo, injetadas diretamente na zona lesada do coração; enquanto noutro grupo foi testada a aplicação direta no coração de um tecido produzido a partir de células estaminais. Os investigadores observaram uma taxa de retenção de células superior no grupo tratado com células estaminais ‘em tecido’, demonstrando o efeito desejado de aumento de permanência e sobrevivência das células estaminais no local da lesão.
O estudo evidenciou, também, que a aplicação de células estaminais do tecido do cordão umbilical ‘em tecido’ promove a recuperação da função cardíaca, avaliada por ecocardiograma, quatro semanas após o tratamento com células estaminais. Os resultados revelaram, ainda, que a função cardíaca foi significativamente melhor no grupo tratado com células estaminais ‘em tecido’, comparativamente com o grupo de animais não tratados, e com os tratados com a suspensão de células estaminais.
Adicionalmente, concluiu-se que as células estaminais atenuaram a fibrose e a remodelação cardíaca após enfarte, e promoveram a formação de novos vasos sanguíneos, tendo a aplicação das células estaminais ‘em tecido’ obtido melhores resultados do que em suspensão. Para além de reforçar o potencial das células estaminais do tecido do cordão umbilical para o tratamento de insuficiência cardíaca crónica, este estudo evidencia como o modo de administração pode influenciar a eficácia da sua aplicação. A técnica de aplicação das células estaminais “em tecido” foi a que alcançou melhores resultados na melhoria da função cardíaca após enfarte do miocárdio, revelando-se uma forte candidata para aplicação clínica.
As células estaminais no tratamento de miocardiopatias
Os resultados de um estudo recentemente publicado indicam que as células estaminais mesenquimais podem vir a constituir um novo método de tratamento para os doentes com miocardiopatia em estado avançado, uma doença que afeta o músculo cardíaco e está associada a alterações estruturais, como, por exemplo, o aumento de tamanho ou o espessamento das paredes do coração.
As miocardiopatias podem manifestar-se através da falta de ar, fadiga, dor no peito e palpitações e conduzem frequentemente a insuficiência cardíaca. Nos casos dos doentes que desenvolvem insuficiência cardíaca grave, o transplante de coração é muitas vezes a abordagem terapêutica mais eficaz, estando, no entanto, limitada pela escassez de dadores. A investigação de estratégias terapêuticas inovadoras para estes doentes é, por isso, de extrema relevância e, neste contexto, a administração de células estaminais tem sido apontada como uma possível alternativa no tratamento de doença cardíaca avançada.
Os efeitos terapêuticos das células estaminais mesenquimais, isoladas a partir de sangue do cordão umbilical, em modelo animal de miocardiopatia foram investigados neste estudo. Para tal, foram comparados os resultados dos animais do grupo de tratamento que recebeu células estaminais por via intravenosa, com os de animais não tratados com células estaminais e, ainda, com animais saudáveis.
No decorrer dos ensaios, foi possível verificar que as células estaminais mesenquimais são capazes de promover a recuperação da função cardíaca, que foi avaliada a partir de vários parâmetros obtidos através de ecocardiograma. Efetivamente, os animais tratados com células estaminais apresentaram melhorias significativas na função cardíaca, comparativamente aos não tratados, não tendo, contudo, alcançado os níveis observados em animais saudáveis.
Adicionalmente, os investigadores verificaram que o tratamento com células estaminais esteve associado a uma diminuição dos níveis de marcadores de lesão cardíaca no sangue e à diminuição da deposição de colagénio no coração nos animais tratados. Observou-se igualmente a diminuição dos níveis de marcadores da inflamação no sangue, sugerindo a sua ação anti-inflamatória, potencialmente benéfica em contexto de miocardiopatia.
“Os resultados destes estudos fornecem evidências de que as células estaminais mesenquimais têm a capacidade de melhorar a função cardíaca em contexto de insuficiência cardíaca crónica causada por EAM ou miocardiopatia, com potencial para beneficiar doentes com insuficiência cardíaca”, explica Bruna Moreira, investigadora do departamento de I&D da Crioestaminal, em comunicado. E acrescenta: “O excelente perfil de segurança já demonstrado e os promissores resultados de eficácia, colocam as células estaminais mesenquimais do cordão umbilical como fortes candidatas para aplicação clínica nesta área”.
Fonte: NM