O primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, renovou hoje o pedido de desculpas da Bélgica pela responsabilidade de alguns dirigentes e funcionários da ex-potência colonial no homicídio do herói da independência da República Democrática do Congo, Patrice Lumumba.
Esta responsabilidade moral do Governo belga já a tínhamos reconhecido e repito-a de novo neste dia oficial do adeus da Bélgica a Patrice Emery Lumumba. Gostaria aqui, na presença da sua família, de apresentar as desculpas do Governo belga pela forma como pesou na decisão de pôr fim aos dias do primeiro-ministro do país”, disse De Croo após a restituição de uma relíquia de Patrice Lumumba à família.
O primeiro-ministro belga falava ao lado do seu homólogo congolês, Jean-Michel Sama Lukonde, e dos filhos do herói congolês reunidos diante de um caixão onde será colocada a relíquia, um dente de Patrice Lumumba.
“Segunda-feira 20 de junho de 2022 entra nos anais da nossa história comum, o regresso de Patrice Emery Lumumba permite à RDCongo recuperar um dos elos essenciais da sua memória nacional fragmentada pela tragédia do seu desaparecimento”, disse o primeiro-ministro congolês na cerimónia, em Bruxelas.
Primeiro chefe do Governo do antigo Congo belga, que se tornou independente em 30 de junho de 1960 (ex-Zaire e hoje RDCongo), Patrice Lumumba foi deposto em meados de setembro do mesmo ano por um golpe de Estado.
Foi executado em 17 de janeiro de 1961 com dois irmãos de armas por separatistas da região de Catanga, no sul da RDCongo, com o apoio de mercenários belgas.
O seu corpo, desmembrado e dissolvido em ácido, nunca foi encontrado, restando apenas o dente agora restituído, que foi guardado por um polícia belga como recordação e apreendido pela justiça belga à sua filha em 2016.
Colocado numa caixa azul, o dente foi entregue na presença dos filhos de Lumumba, François, Juliana e Roland, e das suas famílias.
“Pai, chorámos o teu desaparecimento sem ter feito a oração fúnebre (…), o nosso dever como descendentes era oferecer-te uma sepultura digna”, disse Juliana na cerimónia, com lágrimas nos olhos.
Recordando as áreas cinzentas que ainda rodeiam o assassínio, a filha do herói congolês lembrou ter pedido em 2020, numa carta ao Rei dos Belgas, Philippe, a restituição do dente, que tem valor de relíquia para os congoleses.
Essa relíquia foi hoje entregue pelo procurador federal da Bélgica, Frédéric Van Leeuw, numa cerimónia no Palácio de Egmont, em Bruxelas, e transmitida pela televisão.
“Agradeço-vos as medidas judiciais que tomaram porque, sem essas medidas, não estaríamos onde estamos hoje. Isso permitiu que a justiça do nosso país pudesse avançar”, disse o procurador ao entregar a caixa com o dente, que seria em seguida colocada num caixão.
Sobre as condições do “terrível” homicídio de Lumumba, na região secessionista de Katanga, que se recusou a aceitar o novo poder saído da independência, o primeiro-ministro De Croo apontou o dedo a responsáveis belgas que na época “escolheram não ver” ou “não agir”.
E recordou que uma comissão de inquérito parlamentar na Bélgica em 2000-2001 concluiu sobre a “responsabilidade moral” do país no assassínio.
A mesma comissão de inquérito, disse o primeiro-ministro belga, “concluiu que o Governo belga tinha feito manifestamente pouco caso da integridade física de Patrice Lumumba e que, após o assassínio, o mesmo Governo espalhou deliberadamente mentiras sobre as circunstâncias da sua morte”.
“Vários ministros do Governo belga da época têm, em consequência, uma responsabilidade moral quanto às circunstâncias que conduziram a este homicídio. É uma verdade dolorosa e desagradável. Mas deve ser dita”, continuou o dirigente liberal.
Sublinhando que não há qualquer prova de que os “ministros, diplomatas, funcionários ou militares belgas” tivessem intenção de que Patrice Lumumba fosse assassinado, De Croo disse que eles deveriam ter percebido que a sua transferência para Katanga colocava a sua vida em perigo.
“Deveriam ter prevenido, deveriam ter recusado qualquer ajuda para a transferência de Patrice Lumumba para o local onde foi executado. Eles escolheram não ver. Eles escolheram não agir”.
“Um homem foi assassinado pelas suas crenças políticas, pelas suas palavras, pelo seu ideal. Para o democrata que sou é indefensável, para o liberal que sou é inaceitável. E para o humano que sou é odioso”, afirmou.
Em fevereiro de 2002, o então chefe da diplomacia belga, Louis Michel, apresentou as desculpas da Bélgica ao povo congolês.
Fonte: NM